"Vivo da floresta, protejo ela de todo o jeito, por isso vivo com a bala na cabeça a qualquer hora, porque vou para cima, eu denuncio. Quando vejo uma árvore em cima do caminhão indo para uma serraria me dá uma dor. É como o cortejo fúnebre levando o ente mais querido que você tem, porque isso é vida para mim que vivo na floresta e para vocês também que vivem nos centros urbanos."

Zé Claudio, assassinado em maio de 2011.



quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Monsanto e Syngenta recebem o Nobel da Agricultura





"A sociedade compõe-se de duas grandes castas: a dos que têm mais comida do que apetite e a dos que têm mais apetite do que comida." , Nicolas Chamfort


Quando se premia aos que geram fome

Vivemos em um mundo ao contrário, no qual se premia as multinacionais da agricultura transgênica enquanto acabam com a agricultura e a agrodiversidade. O Prêmio Mundial da Alimentação 2013, o que alguns chamam de Nobel da Agricultura, foi concedido este ano para os representantes da indústria transgênica: Robert Fraley, da Monsanto e Mary-Dell Chilton, da Syngenta. O terceiro premiado foi Marc Van Montagu, da Universidade de Gante (Bélgica). Todos eles distinguidos por suas investigações a favor de uma agricultura biotecnológica.

E me pergunto: Como pode ser que se conceda um prêmio que, teoricamente, reconhece "as pessoas que têm feito avançar (...) a qualidade, a quantidade e o acesso aos alimentos” aos que promovem um modelo agrícola que gera fome, pobreza e desigualdade. Os mesmos argumentos, imagino, que levam a conceder o Prêmio Nobel da Paz aos que fomentam a guerra. Como diz o escrito Eduardo Galeano, em seu livro "Patas arriba” (1998), "se premia ao contrário: se despreza a honestidade, se castiga o trabalho, se recompensa a falta de escrúpulos e se alimenta o canibalismo”.

Querem que acreditemos que as políticas que nos conduziram à presente situação de crise alimentar serão as soluções; porém, isso é mentira. A realidade, teimosa, nos demonstra, apesar dos discursos oficiais, que o atual modelo de agricultura e alimentação é incapaz de dar de comer às pessoas, cuidar de nossas terras e daqueles que trabalham no campo. Hoje, apesar de que, segundo dados do Instituto Grain, a produção de alimentos multiplicou-se por três desde os anos 60, enquanto que a população mundial desde então apenas duplicou, 870 milhões de pessoas no mundo passam fome. Fome, pois, em um planeta da abundância de comida.

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) reconhece que nos últimos cem anos desapareceram 75% das variedades agrícolas. Nossa segurança alimentar não está garantida, se depender de um leque cada vez mais reduzido de espécies animais e vegetais. Definitivamente, são promovidas as variedades que mais se adequam aos padrões da agroindústria (que podem viajar milhares de quilômetros antes de chegar ao nosso prato, que tenham um bom aspecto nas prateleiras do supermercado etc.), deixando de lado outros critérios como a qualidade e a diversidade do que comemos.

Nos dizem que temos que produzir mais alimentos para acabar com a fome no mundo e, em consequência, que é necessária uma agricultura transgênica. Porém, hoje, não falta comida; sobra! Não temos um problema de produção, mas de acesso. E a agricultura transgênica não democratiza o sistema alimentar; ao contrário, privatiza as sementes, promove a dependência camponesa, contamina a agricultura convencional e ecológica e impõe seus interesses particulares ao princípio de precaução que deveria prevalecer.

Marie Monique Robin, autora do livro e do documentário "O mundo segundo a Monsanto” (2008), deixa claro: essas empresas querem "controlar a cadeia alimentar” e "os transgênicos são um meio para conseguir esse objetivo”. Prêmios como os concedidos a Monsanto e a Syngenta são uma farsa ante a qual somente há uma resposta possível: a denúncia. E ressaltar que outra agricultura somente será possível à margem dos interesses dessas multinacionais.


Outras decisões da FAO:

FAO afirma que agricultura é fundamental para sobrevivência humana
A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, FAO, afirmou que a agricultura é fundamental para a humanidade.
Segundo o vice-diretor-geral da FAO, Dan Gustafson, a adaptação do setor agrícola, não é somente uma opção, mas sim, imperativo para a sobrevivência humana.
A FAO explica que 80% da dieta do ser humano é composta por plantas. Aproximadamente 30 tipos de colheitas correspondem a 95% das necessidades de alimentos das pessoas.
Os especialistas dizem que dessas 30 colheitas, cinco, arroz, trigo, milho, painço, que é uma derivado do milho, e o sorgo, tipo de cereal usado para fazer a farinha, fornecem 60% dos alimentos.

Má nutrição no mundo custa US$ 3,5 trilhões por ano, diz FAO
A má nutrição custa ao mundo cerca de US$ 500 (aproximadamente R$ 1 mil) por indivíduo ou US$ 3,5 trilhões (R$ 7 trilhões) por ano, valor equivalente ao PIB da Alemanha, a maior economia da Europa, de acordo com cálculo publicado em um novo relatório FAO - O Estado da Alimentação e da Agricultura 2013. O montante também equivale a 5% do PIB mundial e foi calculado com base nos custos relativos à perda de produtividade e gastos com a saúde gerados por uma dieta deficiente.
Os dados constam de relatório publicado ontem (04/06/13) pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). No documento, o diretor do órgão, o brasileiro José Graziano, pediu esforços mais consistentes para erradicar a má nutrição.

O estudo assinala que a alimentação precária das mães e das crianças continua a reduzir a qualidade e a expectativa de vida de milhares de pessoas, assim como problemas relacionados à obesidade, como doenças cardíacas e diabetes.

"Atores e instituições devem trabalhar conjuntamente em todos os setores para reduzir mais efetivamente a desnutrição, a deficiência nutricional, o sobrepeso e a obesidade", diz o relatório.

O órgão alerta ainda que, embora cerca de 870 milhões de habitantes do planeta ainda passem fome, segundo dados do biênio 2010-2012, outros bilhões sofrem com a má ingestão de alimentos.

FAO estima que 2 bilhões de pessoas têm deficiências de um ou mais micronutriente, enquanto outras 1,4 bilhão estão com sobrepeso, das quais 500 milhões já são obesas.

Além disso, 25% de todas as crianças abaixo de cinco anos sofrem com baixa estatura e outras 31% possuem deficiência de vitamina A.

FAO recomenda alimentação com insetos para combater a fome
“Comer insetos” para reforçar a segurança alimentar: esta é a orientação da FAO, que lançou nesta segunda-feira (13) um programa para incentivar a criação em larga escala de insetos, alimento rico em nutrientes, de baixo custo, ecológico e “delicioso”.
Dois bilhões de pessoas em culturas tradicionais já os consomem, mas o potencial de consumo é muito maior, considera a Agência da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação.
“Nossa mensagem é: comer insetos, os insetos são abundantes, eles são uma rica fonte de proteínas e minerais”, declarou Eva Ursula Müller, diretora do Departamento de Política Econômica Florestal na apresentação deste relatório em Roma.
Os trilhões de insetos, que se reproduzem sem parar na terra, no ar e na água, “apresentam maiores taxas de crescimento e conversão alimentar alta e um baixo impacto sobre o meio ambiente durante todo o seu ciclo de vida”, defendem os especialistas.
De acordo com seus cálculos, cerca de 900 espécies de insetos são comestíveis. A FAO enumera os benefícios da produção de insetos em larga escala: são necessários 2 kg de ração para produzir 1 kg de insetos, enquanto o gado requer 8 kg de alimento para produzir 1 kg de carne. Além disso, os insetos “são nutritivos, com um elevado teor de proteínas, gorduras e minerais” e “podem ser consumidos inteiros ou em pó e incorporados noutros alimentos”.
A criação de insetos é simples, pois pode ser feita a partir de resíduos orgânicos, tais como restos de alimentos, e também a partir de compostos e estrume. Os insetos são extremamente ecológicos: usam muito menos água e produzem menos gases do efeito estufa do que o gado.
O consumo de insetos, chamado de entomofagia, já é difundido e praticado há muito tempo entre culturas tradicionais em regiões da África, Ásia e América Latina. “Um terço da população mundial come insetos, e isso é porque eles são deliciosos e nutritivos”, ressalta Eva Ursula Müller.
“Insetos são vendidos nos mercados de Kinshasa, nos da Tailândia ou em Chiapas, no México, e eles começam a aparecer nos menus de restaurantes na Europa”, argumentou. Alguns criadores de vários continentes entenderam as vantagens e começam a tirar proveito: eles começaram a usar os insetos como ingredientes alimentares, incluindo na aquicultura e na criação de aves.
De acordo com Müller, os insetos oferecem muito mais do que apenas nutrição. Eles também são usados para dar cor e formam uma das bases da medicina tradicional em muitos países. Para garantir a nutrição dos animais, os insetos são suscetíveis de proporcionar um complemento a outros recursos utilizados como soja e farinha de peixe.
Gabril Tchango, ministro das Florestas do Gabão, elogiou o consumo de insetos que “faz parte da vida cotidiana”. Os “cupins grelhados são considerados uma iguaria em nossas florestas”, declarou, considerando que os insetos, em todas as categorias, contribuem com cerca de 10% da proteína animal consumida no Gabão.
De acordo com a FAO, “até 2030, mais de 9 bilhões de pessoas vão precisar ser alimentadas, assim como os bilhões de animais criados a cada ano” para atender diversas necessidades, num momento em que “a poluição do solo e da água devido a produção intensiva de animais de pastoreio levam a degradação das florestas”.
Outro argumento a favor da criação de insetos é que eles “podem ser colhidos em seu estado natural, cultivados, processados e vendidos pelos mais pobres da sociedade, como as mulheres e agricultores sem-terra. Os insetos podem ser coletados diretamente e facilmente em seu estado natural. Os gastos ou investimentos necessários para a colheita são mínimos”.

FAO e Slow Food assinam acordo de cooperação
A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura e a organização internacional ‘Slow Food’ firmaram um acordo em 15 de maio para desenvolver ações conjuntas para melhorar os meios de subsistência de pequenos agricultores que vivem em áreas rurais.
Segundo o memorando de entendimento assinado pelas duas organizações, por um período de três anos, a união de forças promoverá sistemas alimentares e agrícolas mais inclusivos localmente, nacionalmente e internacionalmente.

As iniciativas destacarão o valor dos alimentos e dos cultivos locais esquecidos, além de abordar o acesso ao mercado para os pequenos produtores, melhorando a conservação e uso da biodiversidade, a redução de perdas e desperdícios alimentos e a melhoria do bem-estar animal. Ao assinar o documento, o diretor-geral da FAO, o brasileiro José Graziano da Silva, disse que a “Slow Food e a FAO compartilham a mesma visão de um mundo sustentável e sem fome, salvaguardando a biodiversidade para as gerações futuras”. Segundo Graziano, o acordo é mais um passo em direção a esse objetivo.




“A fome existe devido a escolhas políticas”

CANAL IBASE: A FAO divulgou em meados de maio um relatório afirmando que insetos podem ser um fonte de alimentação para populações que passam fome. O que o senhor achou desta afirmação, replicada por jornais e outras mídias no mundo inteiro?
FRANCISCO MENEZES: Todos os pesquisadores da área ficaram indignados com este estudo. Acho que temos que ter cuidado ao tornar pública esta indignação, porque é preciso debater qual o principal objetivo deles com isso. Mas, de qualquer forma, foi uma infelicidade. As pessoas têm que ter acesso à alimentação e ponto. Pensar em alimentá-las com restos é completamente descabido. Há populações que já comem insetos, mas é outra história, faz parte da cultura delas. Introduzir esse consumo é levar o olhar para uma perspectiva errada. Alimento há, o que falta é acesso.

CANAL IBASE: De fato, o alimento só pode ser acessado atualmente por meio da compra ou do plantio. Quando não há dinheiro ou terra, a pessoa está excluída desse sistema, certo?
MENEZES: Exato. As corporações hoje tomam conta da maior parte dos alimentos produzidos no mundo e elas lidam com a comida como uma mercadoria qualquer. Embora o alimento tenha sido reconhecido como um direito básico dos brasileiros em 2010 (quando foi incluído na constituição do país), na prática pouca coisa mudou. Mas é preciso entender o sistema. Se as empresas do setor trabalham com a alimentação como mercadoria, é porque há permissão do estado para isso. O poder público permite que as corporações, nacionais e internacionais, lucrem com um direito tão fundamental à vida de qualquer pessoa. 

CANAL IBASE: Por isso o senhor afirma que a fome é uma questão política
MENEZES: Sim, certamente ela é. Isso não é novidade, mas nunca foi assumido de verdade. Josué de Castro (médico e geógrafo, autor do livro “Geografia da Fome”) já dizia que deixar as pessoas morrerem de fome é uma escolha. Ele estava completamente certo. É um problema ligado à história da humanidade. A segurança alimentar, por exemplo, é um termo herdado dos militares, que foi transformado e usado pelo movimento social. Na guerra, cortar a alimentação é uma das maiores armas que se pode ter. Pode parecer dramático, mas, se você for pensar com cuidado, as corporações também têm nas mãos todos aqueles que não produzem seu próprio alimento. O preço do alimento mexe com a estrutura de uma sociedade.

CANAL IBASE: Há situações de fome extrema no Brasil hoje que podem ser exemplificadas como uma escolha política?
MENEZES: Sim. Os indígenas são exemplo disso. A não demarcação de terras indígenas é um fator que leva à morte. Não olhar para isso é uma escolha do poder público, porque, embora esse fenômeno seja pouco falado, milhares pessoas, especialmente crianças, morrem de inanição na beira de estradas. Isso ocorre por falta de terra, pois etnias foram expulsas de seus territórios. O caso dos Guarani-Kaiowa (que veio à tona ano passado após a divulgação de uma carta anunciando um suicídio coletivo) é um exemplo disso. A Justiça leva seu tempo, mas enquanto isso não se define as pessoas morrem.

CANAL IBASE: Além da inclusão das pessoas no sistema econômico, com geração de renda como possibilidade para comprar o próprio alimento, o senhor acha que a agricultura familiar é uma saída? 
MENEZES: A agricultura familiar é uma das soluções. A segurança alimentar só será atingida com uma série de políticas conjuntas. É preciso reconhecer que o governo atual, desde o início do governo Lula, na verdade, avançou bastante nesse sentido. Hoje, 30% da alimentação escolar tem que ser comprada de pequenos produtores, o que representa um grande mercado que alimenta 48 milhões de crianças por dia. Mas há muito a se fazer. A agricultura familiar continua em risco. 

CANAL IBASE: Por quê?
MENEZES: Atualmente, a agricultura familiar ainda é responsável pela maior parte dos alimentos de consumo das famílias. A estimativa é que ela represente 70% da alimentação das famílias brasileiras. Mas o agronegócio ameaça a agricultura familiar. Como as pessoas buscam uma forma de alimentação cada vez mais rápida, mais prática, as compras são feitas em grandes mercados, e muitas famílias buscam grandes marcas do setor alimentício. Não se pode dizer que isso é saudável, mas é o que ocorre. As pessoas buscam enlatados, comidas congeladas e em saquinhos. As grandes empresas estão entrando na casa de cada vez mais gente. O que pouco se discute é a queda na qualidade dessa alimentação.

CANAL IBASE: O encontro do Fórum de Segurança Alimentar vai tratar esta questão? 
MENEZES: Essa é uma das principais questões. É preciso ampliar o acesso ao alimento, isso é um ponto-chave. Mas não se pode dizer que qualquer alimento tem o mesmo teor nutricional. Aí mora a questão, a qualidade da alimentação. É preciso não só comer, mas comer bem.


‘Os transgênicos estão destruindo o tecido social’. Entrevista com Percy Schmeiser, agricultor e ativista canadense

Como começou sua luta contra a Monsanto?
Minha esposa e eu éramos produtores de sementes de canola (cultivada para produzir forragem, óleo vegetal para o consumo humano e biodiesel). Pesquisamos este cultivo durante mais de 50 anos. Em 1998, dois anos depois que introduziram os transgênicos no Canadá, a empresa Monsanto entrou com um processo contra nós. Nos processou por violação de patente, porque diziam que a nossa canola era fruto de suas sementes transgênicas. Foi uma surpresa para nós porque nunca compramos sementes geneticamente modificadas nem sabíamos da existência da Monsanto. O que tornou famoso o nosso caso em todo o mundo foi o fato de mostrar que podia acontecer a qualquer agricultor caso seu campo fosse contaminado com as sementes transgênicas. Nesse momento, o juiz decretou que não importava como havia ocorrido a contaminação com as transgênicas: se por polinização cruzada, polinização por abelhas, por sementes que entraram levadas pelo vento ou pelo próprio transporte de outros agricultores. Se isso acontece, então já não se é mais dono de suas sementes nem de suas plantas, pela lei de patentes. Também nesse momento foi decretado que não poderíamos usar as nossas sementes de novo por estarem contaminadas e que os nossos lucros por esse cultivo deviam ir para a Monsanto. Outra questão que o juiz decretou foi que o nível de contaminação não era importante: dá no mesmo se houve 1% ou 90% do campo contaminado, de qualquer forma já não se é mais o dono das suas plantas. A base da nossa luta foi pelos direitos dos agricultores, para que cada um tenha direito a plantar suas sementes ano após ano.
O que fizeram diante do processo movido pela Monsanto?
O que mais nos doeu é que todo o nosso trabalho de 50 anos com a semente de canola agora pertencia completamente à Monsanto pela lei das patentes. Por isso decidimos continuar brigando, e recorremos à Corte de Apelação. Esta Corte federal manteve quase a mesma posição, inclusive a Monsanto tratou de nos prender de outras maneiras. Demandaram-nos novamente por um milhão de dólares. Trataram de nos destruir financeira e mentalmente. Vigiavam-nos quando estávamos trabalhando no campo, vinham à saída da garagem da nossa casa, a observar o que a minha esposa fazia, ela recebia telefonemas com ameaças e também acontecia o mesmo aos nossos vizinhos. E ainda hoje vivemos com medo. Então decididos ir à Suprema Corte. A Suprema Corte disse que não tínhamos que pagar nada à Monsanto, mas que ela teria que pagar os nossos custos legais. A Monsanto aceitou que nós não havíamos comprado sementes deles, no entanto, tínhamos que pagar a eles a licença pelas sementes. Se nós tivéssemos que pagar à Monsanto tudo o que eles queriam, teríamos que pagar com a nossa casa, a nossa terra e todos os equipamentos. Assim que foi uma vitória para nós ouvir a Corte sentenciar que nós não precisávamos pagar nada àMonsanto. Mas de todas as formas, é muito difícil para um agricultor lutar na Corte contra uma multinacional. Foi a Monsanto que nos processou e, no entanto, tivemos que pagar os custos legais deste processo. Isso não foi justo para nós, porque a Monsanto deveria ter pagado também os nossos custos.
Quanto tiveram que pagar e como enfrentaram esses gastos?
Os gastos foram um pouco mais de 500.000 dólares. O pagamos com grande parte do nosso fundo de aposentadoria, hipotecas sobre nossas terras e também recebemos doações de muitas pessoas de todo o mundo que estão preocupadas com o tema das patentes de sementes e, sobretudo, o que diz respeito à nossa alimentação.
Como a sua lavoura foi contaminada com as sementes transgênicas?
Porque meus vizinhos estavam utilizando sementes da Monsanto e ao soprar o vento as trazia para o meu campo e o contaminavam. Eu nunca utilizei as sementes da Monsanto nem o Roundup (herbicida da Monsanto) na minha lavoura. Por isso apresentei uma contrademanda baseada na contaminação ambiental, destruição de sementes e calúnia. Desde esse momento a Monsanto nos espiou e tratou como criminosos. Detetives daMonsanto se instalaram perto do campo e controlavam cada passo que dávamos. A primeira coisa que dissemos à Corte é que um agricultor tem que ter o direito de utilizar suas sementes ano após ano. Para minha esposa e para mim, o mais importante é que ninguém, nenhum indivíduo nem uma corporação têm o direito de patentear formas superiores de vida, seja uma ave, uma abelha ou uma planta.
O que aconteceu depois deste episódio da demanda da Monsanto?
Nós pensamos nesse momento que estava tudo terminado com a Monsanto. Decidimos mudar de cultivo e fazer pesquisa com mostarda, mas um tempo depois descobrimos que havia plantas de canola no campo em que estávamos pesquisando, que era de 50 acres. Nós comunicamos a Monsanto que acreditávamos que havia canola transgênica em nosso campo de mostarda. Então a Monsanto veio ao nosso campo e fez algumas pesquisas. Depois nos notificaram que havia canola de sementes da Monsanto em nosso campo de mostarda. Perguntaram-nos o que queríamos que fosse feito. Pedimos que toda essa canola fosse retirada manualmente. A Monsanto concordou. Dois dias antes do dia combinado para a retirada das plantas, enviaram-nos uma carta para que a assinássemos. E nessa carta aMonsanto estabelecia que minha esposa e eu estávamos proibidos de falar sobre aMonsanto com qualquer pessoa. Ou seja, que minha liberdade de expressão estava anulada, e se tivesse aceitado não poderia estar aqui falando com você.
O que responderam?
Dissemos a eles que muitas pessoas morreram em nosso país lutando pela liberdade de expressão e que nós não pensávamos em entregá-la a uma corporação. Assim que respondemos à Monsanto que, com a ajuda de nossos vizinhos, iríamos retirar essas plantas. Com a ajuda dos nossos vizinhos removemos todas as plantas contaminadas e lhes pagamos 600 dólares. A verdade é que não foi muito dinheiro por três dias de trabalho. Mas mandamos a conta para a Monsanto e a Monsanto se recusou a pagá-la. Então mandamos a Monsanto àCorte, desta maneira, tivemos uma multinacional milionária na Corte por 600 dólares. Pode-se imaginar a vergonha da Monsanto, uma corporação internacional, ser chamada à corte por 600 dólares. Então, finalmente, tiveram que pagar os 600 dólares mais os custos legais e chegamos a um acordo de que não haveria mordaça legal. O importante não foi o dinheiro que tiveram que pagar, obviamente, mas importa a consequência legal. Porque se agora a lavoura de qualquer agricultora é contaminada, a empresa tem que pagar por essa contaminação. Esta foi uma vitória, não somente para nós, mas para os agricultores de todo o mundo, porque abre um precedente.
Você costuma dizer que no Canadá há vários cultivos, entre eles a canola, que já são completamente transgênicos. Por que os agricultores canadenses optaram por este tipo de sementes patenteadas?
Em 1996 foram introduzidas quatro sementes transgênicas no Canadá: o algodão, o milho, a canola e a soja. E os agricultores se entusiasmaram porque a Monsanto dizia no começo que com as sementes deles iríamos ter uma produção maior, lucros maiores, seriam mais nutrientes, e teríamos que utilizar menos químicos para obtê-lo. Mas aconteceu todo o contrário; estamos utilizando mais químicos que antes, e fazem tanto mal à saúde humana como ao meio ambiente. Também repetiram uma série de lugares comuns como esse que através destas sementes iríamos alimentar um mundo cheio de fome. Mas creio que se há algo que vai nos levar a ter mais fome no mundo, isso são os transgênicos. Nós, no Canadá, tivemos transgênicos durante 16 anos e cremos que o prejuízo já está feito. Agora é preciso fazer o que é possível para não permitir que entrem mais transgênicos em nossos países.
O que aconteceu com as plantações de canola transgênica que se espalharam pelo Canadá?
Imediatamente depois que se começou a utilizar estas sementes os lucros começaram a baixar. Mas o pior foi o aumento massivo no uso dos químicos, porque depois de alguns poucos anos as ervas daninhas se tornaram resistentes, causando enormes problemas às plantações de canola. Para eliminar esta super erva daninha, requer-se dos tóxicos mais fortes que já se teve notícia. A Monsanto produziu um tóxico, o mais tóxico que se conhece na face da Terra. Há outro químico que é o 2,4-D, que usam para matar esta super erva daninha, e este novo tóxico contém 70% do agente laranja, aquele que foi usado na guerra do Vietnã, em decorrência do qual milhares de pessoas morreram de câncer. Estes são os químicos poderosos que estamos usando hoje no Canadá, tóxicos massivos. Outra coisa que trataram de trazer ao Canadá é o gene terminator. O gene terminator é posto em um gene, a semente se converte em uma planta, mas a planta produz uma semente que é estéril, razão pela qual não pode ser usada para um novo plantio, e isso faz com que se tenha que comprar novamente as sementes da companhia.
Que implicações tem o uso de sementes transgênicas?
Temos uma questão econômica, de saúde, devido ao aumento do uso de químicos e ao veneno espalhado sobre os transgênicos, e um prejuízo para o meio ambiente devido ao uso dos químicos. Os transgênicos nunca foram concebidos para aumentar os lucros. O padrão dos genes introduzidos nas sementes pela Monsanto é para manter o controle do fornecimento de sementes e de alimentos em todo o mundo. Também se toma o controle do direito que o agricultor tem de usar suas sementes, perde sua capacidade de escolha e fica refém da compra das sementes todos os anos e a pagar um custo alto, além do fato de que tem que comprar mais químicos.
Como são as sementes que você utiliza hoje, depois de todo este processo?
Mudamos as sementes, não trabalhamos mais com a canola, estamos trabalhando com trigo, aveia e feijão. No Canadá a soja e a canola são totalmente transgênicas, não se pode ter uma fazenda orgânica destes cultivos. A Monsanto é hoje a companhia que administra totalmente o mercado das sementes para estes cultivos. Uma vez introduzidos os transgênicos, não existe a coexistência; o gene transgênico é um gene dominante, porque não se pode controlar o vento nem impedir que o pólen se desloque. Então, uma vez que as sementes transgênicas são introduzidas, não há possibilidade de que um agricultor continue com um desenvolvimento próprio de sementes.
Como vê o futuro da agricultura?
Os transgênicos estão destruindo o tecido social do país, nunca vi isso antes, os agricultores brigam entre si. Antes nos ajudávamos uns aos outros; agora isto está desaparecendo porque há desconfiança. Instalam o medo processando os agricultores. Esta nova tecnologia é ciência perversa e não é ciência comprovada. As corporações querem o controle total sobre as sementes, o que lhes dará o controle total sobre o abastecimento de alimentos. É disto que tratam os transgênicos e não para ter mais alimentos para acabar com a fome no mundo. Se os agricultores perdem o direito de cultivar sua própria semente, convertem-se em serventes da terra, regressando à época do sistema feudal. De certa forma, os agricultores já são serventes da terra, porque têm que comprar as sementes de determinada companhia, têm que comprar a licença do alimento, têm que comprar os químicos da mesma companhia, têm que pagar um direito para cultivar em sua própria terra, assim que penso que já somos serventes em nossa própria terra por uma corporação multinacional como a Monsanto. Caso a propagação de organismos geneticamente modificados continuar, o controle total do fornecimento de sementes e de alimentos do mundo estará nas mãos de corporações como aMonsanto, e isto acarretará problemas para a saúde, questões ambientais e perda de biodiversidade. Com os organismos geneticamente modificados já não haverá agricultura, mas agronegócio.


Pelo resto do mundo:

Hungria destrói todas as plantações da Monsanto

Payback Time! Boycott the Brands that Helped Kill Prop 37

Agricultores quenianos deitam fora 40% da comida que cultivam para mercado europeu

Prince Charles Attacks Monoculture Food Production Systems – A Speech at the Langenburg Forum on Regional Food Security, Germany



Para doar: Banco de Alimentos

Para baixar: Greenpeace: Guia do Consumidor contra Transgênicos

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Por que os orgânicos são tão caros? Por Claudia Visoni

Artigo esclarecedor de Claudia Visoni que aponta algumas razões que determinam os preços, muitas vezes salgados, dos produtos orgânicos e agroecológicos. Publicado originalmente no blog da autora e recentemente, também, no Portal Ecodebate.
 
Por que os orgânicos são tão caros?
Claudia Visoni
 
8 fatores explicam o preço mais alto dos alimentos sem agrotóxicos. E nada explica o conformismo diante do alto custo ambiental, social e de saúde pública que vem de brinde com a agricultura baseada em aditivos químicos.
 
Ninguém, em sã consciência, prefere comida com agrotóxico, mas os orgânicos no Brasil ainda são bem mais caros, o que deixa muita gente inconformada. Outro dia assisti a uma ótima palestra do agrônomo e pesquisador Wilson Tivelli, da Estação Experimental São Roque (ligada à Secretaria Estadual da Agricultura), que explicou brilhantemente essa questão. Aí vai um resumo dos argumentos de Tivelli (veja o artigo original aqui: http://www.aptaregional.sp.gov.br/index.php/component/docman/doc_view/1182-organicos-sao-caros-por-que?Itemid=275) misturados com o que aprendi sobre o assunto nos últimos tempos.
 
1 – Eles demoram mais para amadurecerA agricultura orgânica consegue nível semelhante de produção por metro quadrado à da lavoura que usa adubos artificiais e agrotóxicos. No entanto, os alimentos se desenvolvem mais devagar. A cenoura orgânica, por exemplo, é colhida por volta de 116 dias após a semeadura enquanto a versão com aditivos químicos fica pronta em 97 dias. Ou seja, a safra ocupa a terra por mais tempo. E tempo é dinheiro.
Por outro lado, essa desvantagem comercial torna os orgânicos mais nutritivos e saborosos, pois vão extraindo da terra nutrientes mais variados e em maior quantidade. Enquanto os vegetais cultivados à base de compostos químicos sintéticos recebem basicamente apenas três macronutrientes -nitrogênio (N), fósforo (P) e potássio (K) - os adubos orgânicos oferecem toda uma tabela periódica em sua lista de ingredientes.
 
2 – CertificaçãoPor incrível que pareça, não há fiscalização obrigatória nas lavouras que usam agrotóxicos. Os abusos, ultrafrequentes, são descobertos pela ANVISA (Agência de Vigilância Sanitária) apenas ao recolher amostras de alimentos em supermercados. Para sentir o drama, é só clicar nesse link: http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,pimentao-e-o-campeao-do-agrotoxico-mostra-estudo-da-anvisa,355203,0.htm.
Já o produto orgânico precisa ser certificado. Ou seja, o produtor deve arcar com a auditoria anual de sua propriedade, o que custa em média cerca de R$ 3 mil. Existem outras formas de certificação por meio de cooperativas que, embora sem custo fixo, demandam bastante tempo e dedicação, desviando o agricultor de sua função principal.
 
3 – Período de conversãoUm agricultor convencional que resolve virar orgânico passará por um tempo de vacas magras, pois sua terra está “viciada” em produtos químicos e não é fácil recompor a fertilidade utilizando recursos naturais. Durante essa fase, não há nenhum tipo de financiamento governamental que permita ao produtor sobreviver até conseguir safras melhores. No campo, essa talvez seja a principal barreira à adoção do sistema orgânico. Ou seja, existe muita gente querendo sair do esquema convencional, mas não consegue por razões financeiras de curto prazo.
 
4 – Falta de créditoNo Brasil não existem linhas de finaciamento voltadas para a agroecologia. Parece mentira, mas para conseguir liberação de dinheiro no banco, o produtor precisa mostrar a nota fiscal comprovando que adquiriu agrotóxicos. Veja com seus próprios olhos o depoimento deles no documentário “O Veneno está na Mesa”, de Silvio Tendler, e aproveite para ampliar seus conhecimentos sobre o tema. O filme está totalmente livre para cópia e veiculação: http://www.youtube.com/watch?v=8RVAgD44AGg.
 
5 - Barreira de isolamentoDe acordo com a legislação atual, quem usa substâncias potencialmente tóxicas na lavoura não precisa se preocupar com os resíduos que deixa na atmosfera, na água e no solo, além de estar isento de responsabilidade caso seja comprovada a contaminação de um trabalhador. Para completar, nada o impede de borrifar agrotóxicos até o limite de sua propriedade, mesmo sabendo que a pulverização invadirá o território alheio.
Já o produtor orgânico precisa manter uma faixa de vegetação robusta e alta para isolar seu cultivo da química dos vizinhos. Ou seja, uma parte de sua propriedade não pode ser utilizada para plantar alimentos, o que reduz a produtividade.
 
6 - Menor escala de produçãoO agronegócio convencional privilegia a monocultura. Assim, terrenos imensos são ocupados por uma única espécie (algo muito atraente para pragas e doenças, pois, quando o invasor encontra esse farto banquete, se dissemina em altíssima velocidade). No sistema orgânico dá-se preferência ao plantio conjunto de várias espécies vegetais e ao consórcio com a criação animal. Desse modo, é mais rica a produção interna de adubo (feito com esterco e sobras vegetais) e mais eficiente o controle das espécies indesejáveis.
No entanto, uma propriedade com vários cultivos emprega maior número de trabalhadores e há menor possibilidade de mecanização. Outro complicador do ponto de vista comercial é que, ao ter quantidades pequenas de diferentes produtos para oferecer ao mercado, o produtor orgânico perde poder de barganha.
Um detalhe, porém, não deve ser esquecido: do ponto de vista socioambiental, essas aparentes desvantagens são muito positivas.
 
7 – Ganância dos supermercadosGrandes varejistas investem bastante em pesquisas sobre hábitos de consumo e logo descobriram que as pessoas com maior poder aquisitivo e nível de instrução são as que mais consomem orgânicos. Encontraram aí uma excelente oportunidade de inflar preços e foi o que fizeram. Uma pesquisa do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) realizada em 2010 flagrou uma diferença de preços de até 463% num mesmo produto orgânico (http://www.idec.org.br/em-acao/revista/142/materia/quer-pagar-quanto). Para quem busca alimentos sem veneno por preço em conta, as feiras de orgânicos são a melhor alternativa (procure aqui: http://www.slowfoodbrasil.com/textos/noticias-slow-food/504-voce-conhece-as-feiras-organicas-da-sua-cidade), seguidas pelos esquemas delivery (para saber mais sobre essa opção: http://conectarcomunicacao.com.br/blog/98-diga-adeus-aos-agrotxicos/.).
 
8 – Falta de assistência técnica e pesquisaAntigamente existiam no país as redes de assistência rural financiadas pelo governo. Aos poucos, o poder público foi abandonando essa importante função e deixou o espaço livre para os fabricantes e revendedores de adubos sintéticos e agrotóxicos. Assim, quem dá orientações técnicas aos agricultores hoje em dia são os vendedores dessas fórmulas. Claro que eles não têm interesse nenhum em ajudar quem não consome seus produtos. Além disso, nas faculdades de agronomia predomina o ensino da agricultura baseada em insumos químicos, gerando carência de profissionais que sabem cultivar a terra sem apelar para eles. Para complicar de vez a situação da agroecologia, entidades como a FAPESP, o CNPQ e a CAPES não costumam liberar bolsas de estudos para quem se propõe a estudar agricultura orgânica e familiar.
 
Com tudo isso, dá para ver que os alimentos convencionais, aparentemente mais baratos, na verdade saem muito caro. Em seu preço não estão computados:
  • O custo social representado pelo abandono do campo e inchaço das periferias urbanas;
  • O custo em termos de saúde pública que tem origem no enorme número de pessoas intoxicadas pelos agrotóxicos, seja de forma aguda ou crônica (câncer, doenças neurológicas e endócrinas entre outras);
  • O custo ambiental devido à contaminação química do ar, da água e do solo, à perda da fertilidade do solo e da biodiversidade.
Do dia para a noite não haverá solução mágica para levar orgânicos baratos à mesa de todos os brasileiros. Mas já existem esquemas alternativos e mais acessíveis para adquiri-los (veja acima o exemplo do delivery e das feiras orgânicas) e outros virão por aí.
 
A gente pode e deve brigar para virar esse jogo. Temos o direito de exigir que o dinheiro público seja investido num modelo agrícola mais justo e sustentável, em vez de virar subsídio para os agrotóxicos, que, aliás, têm isenção de impostos!
 
Claudia Visoni é jornalista, paulistana e dirige a empresa Conectar Comunicação (www.conectar.com.br). Desde a adolescência, pesquisa assuntos ligados à ecologia e ao consumo, buscando alternativas para viver bem economizando os recursos naturais

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

A evolução da horta

Desde a postagem sobre a minha horta, as coisas evoluiram muito por aqui. Evoluiram porque eu consegui aprender com os muitos erros e a natureza é mágica e autosuficiente.

araça florindo no vaso
 
Nesse mais de um ano depois perdi várias mudas, recuperei outras, descobri outras e principalmente: a maior parte germinou espontâneamente. Com certeza mais da metade do que tenho plantado hoje é fruto do meu consumo. E esse é um dos motivos que me faz buscar opções nativas e orgânicas, mas nem sempre isso é possível.

citronela: já replantei em vários vasinhos, distribui pela casa, estrategicamente e ainda doei algumas mudas e o pé segue firme e forte
 
Durante esse período perdi um pé de bananeira, meu agrião foi devastado por lagarta em 2 dias, fiz centenas de saladas e sucos verdes só com as folhas do quintal. Já colhi e comi beterrabas, batatas, cenouras, couve, agrião, catalonha, alface, rúcula, manjericão, alecrim, arruda, salsinha, cebolinha, coentro e agora estou prestes a colher os primeiros tomates.

tomates
 
A compostagem é um rico viveiro de mudas. E isto é óbvio. Quando dei por mim tinha mais de 8 pés de tomate. Milhos brotaram. Já plantei abacateiros em vários lugares e doei umas mudas. E ainda tenho outras em casa. O araça adorou o sol da manhã e já está florindo. Inhames brotam no cesto de legumes, assim como o cará, me arrependi de não ter fotográfado. Beterrabas e cenouras, assim como faço com o inhame, cortei a tampinha e coloquei no chão, encaixadas na terra. Abóboras nascem com uma facilidade imensa. São muitas folhas e nascem flores todos os dias. Mas perdi meu pé, antes da abóbora vingar. Crescem agora os que nasceram na compostagem.

as flores de abóbora
 
couve


abacaxi




Em breve mais fotos e mais evolução da horta!!
 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

KÁTIA, A ANTROPÓLOGA, CRIADORA DA ABREUGRAFIA por José Ribamar Bessa Freire

Imperdível crônica de José Ribamar Bessa Freire, publicada aqui,  sobre a miss desmatamento e seus devaneios como escritora e antropóloga.

KÁTIA, A ANTROPÓLOGA, CRIADORA DA ABREUGRAFIA


Nelson Rodrigues só se deslumbrou com "a psicóloga da PUC" porque não conheceu "a antropóloga da Folha". Mas ela existe. É a Kátia Abreu. É ela quem diz aos leitores da Folha de São Paulo, com muita autoridade, quem é índio no Brasil. É ela quem religiosamente, todos os sábados, em sua coluna, nos explica como vivem os "nossos aborígenes". É ela quem nos ensina sobre a organização social, a distribuição espacial e o modo de viver deles.
Podeis obtemperar que o caderno Mercado, onde a coluna é publicada, não é lugar adequado para esse tipo de reflexão e eu vos respondo que não é pecado se aproveitar das brechas da mídia. Mesmo dentro do mercado, a autora conseguiu discorrer sobre a temática indígena, não se intimidou nem sequer diante de algo tão complexo como a estrutura de parentesco e teorizou sobre "aborigenidade", ou seja, a identidade dos "silvícolas" que constitui o foco central de sua - digamos assim - linha de pesquisa.
A maior contribuição da antropóloga da Folha talvez tenha sido justamente a recuperação que fez de categorias como "sílvicola" e "aborígene", muito usadas no período colonial, mas lamentavelmente já esquecidas por seus colegas de ofício. Desencavá-las foi um trabalho de arqueologia num sambaqui conceitual, que demonstrou, afinal, que um conceito nunca morre, permanece como a bela adormecida à espera de alguém que o desperte com um beijo. Não precisa nem reciclá-lo. Foi o que Kátia Abreu fez.
Com tal ferramenta inovadora, ela estabeleceu as linhas de uma nova política indigenista, depois de fulminar e demolir aquilo que chama de "antropologia imóvel" que seria praticada pela Funai. Sua abordagem vai além do estudo sobre a relação observador-observado na pesquisa antropológica, não se limitando a ver como índios observam antropólogos, mas como quem está de fora observa os antropólogos sendo observados pelos índios. Não sei se me faço entender. Mas em inglês seria algo assim como Observing Observers Observed.
Os argonautas do Gurupi
Todo esse esforço de abstração desaguou na criação de um modelo teórico, a partir do qual Kátia Abreu sistematizou um ousado método etnográfico conhecido como abreugrafia que, nos anos 1940, não passava de um prosaico exame de raios X do tórax, uma técnica de tirar chapa radiográfica do pulmão para diagnosticar a tuberculose, mas que foi ressignificado. Hoje, abreugrafia é a descrição etnográfica feita com o método inventado por Kátia Abreu, no caso uma espécie de raio X das sociedades indígenas.
Esse método de coleta e registro de dados foi empregado na elaboração dos três últimos artigos assinados pela antropóloga da Folha: Uma antropologia imóvel (17/11), A Tragédia da Funai (03/11/) e Até abuso tem limite (27/10) que bem mereciam ser editados, com outros, num livro intitulado "Os argonautas do Gurupi". São textos imperdíveis, que deviam ser leitura obrigatória de todo estudante que se inicia nos mistérios da antropologia. A etnografia refinada e apurada que daí resulta quebrou paradigmas e provocou uma ruptura epistemológica ao ponto de não-retorno.
A antropóloga da Folha aplicou aqui seu método revolucionário - a abreugrafia - que substituiu o tradicional trabalho de campo, tornando caducas as contribuições de Boas e Malinowski. Até então, para estudar as microssociedades não ocidentais, o antropólogo ia conviver lá, com os nativos, tinha de "viver na lama também, comendo a mesma comida, bebendo a mesma bebida, respirando o mesmo ar" da sociedade estudada, numa convivência prolongada e profunda com ela, como em 'Lama', interpretada por Núbia Lafayette ou Maria Bethania.
A abreugrafia acabou com essas presepadas. Nada de cantoria. Nada de anthropological blues. Agora, o antropólogo já não precisa se deslocar para sítios longínquos, nem viver um ano a quatro mil metros de altura, numa pequena comunidade nos Andes, comendo carne de lhama, ou se internar nas selvas amazônicas entre os huitoto, como fez um casal de amigos meus. E tem ainda uma vantagem adicional: com a abreugrafia, os antropólogos nunca mais serão observados pelos índios.
Em que consiste, afinal, esse método que dispensa o trabalho de campo? É simples. Para conhecer os índios, basta tão somente pagar entrevistadores terceirizados. Foi o que fez a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) que, por acaso, é presidida por Kátia Abreu. A CNA encomendou pesquisa ao Datafolha que, por acaso, pertence à empresa dona do jornal onde, por acaso, escreve Kátia. Está tudo em casa. Por acaso.
Terra à vista
Os pesquisadores contratados, sempre viajando em duplas - um homem e uma mulher - realizaram 1.222 entrevistas em 32 aldeias com cem habitantes ou mais, em todas as regiões do país. Os resultados mostram que 63% dos índios têm televisão, 37% tem aparelho de DVD, 51% geladeira, 66% fogão a gás e 36% telefone celular. "A margem de erro" - rejubila-se o Datafolha - "é de três pontos percentuais para mais ou para menos".
"Eu não disse! Bem que eu dizia" - repetiu Kátia Abreu no seu último artigo, no qual gritou "terra à vista", com o tom de quem acaba de descobrir o Brasil. O acesso dos índios aos eletrodomésticos foi exibido por ela como a prova de que os "silvícolas" já estão integrados ao modo de vida urbano, ao contrário do que pretende a Funai, com sua "antropologia imóvel" que "busca eternizar os povos indígenas como primitivos e personagens simbólicos da vida simples". A antropóloga da Folha, filiada à corrente da "antropologia móvel", seja lá o que isso signifique, concluiu:
- "Nossos tupis-guaranis, por exemplo, são estudados há tanto tempo quanto os astecas e os incas, mas a ilusão de que eles, em seus sonhos e seus desejos, estão parados, não resiste a meia hora de conversa com qualquer um dos seus descendentes atuais".
Antropólogos da velha guarda que persistem em fazer trabalho de campo alegam que Kátia Abreu, além de nunca ter conversado sequer um minuto com um índio, arrombou portas que já estavam abertas. Qualquer aluno de antropologia sabe que as culturas indígenas não estão congeladas, pois vivem em diálogo com as culturas do entorno. Para a velha guarda, Kátia Abreu cometeu o erro dos geocêntricos, pensando que os outros estão imóveis e ela em movimento, quando quem está parada no tempo é ela, incapaz de perceber que não é o sol que dá voltas diárias em torno da terra.
No seu artigo, a antropóloga da Folha lamenta que os índios "continuem morrendo de diarreia". Segundo ela, isso acontece, não porque os rios estejam poluídos pelo agronegócio, mas "porque seus tutores não lhes ensinaram que a água de beber deve ser fervida". Esses tutores representados pela FUNAI - escreve ela - são responsáveis por manter os índios "numa situação de extrema pobreza, como brasileiros pobres". Numa afirmação cuja margem de erro é de 3% para mais ou para menos, ela conclui que os índios não precisam de tutela.
- Quem precisa de tutela intelectual é Kátia Abreu - retrucam os antropólogos invejosos da velha guarda, que desconhecem a abreugrafia. Eles contestam a pobreza dos índios, citando Marshall Sahlins através de postagem feita no facebook por Eduardo Viveiros de Castro:
‎"Os povos mais 'primitivos' do mundo tem poucas posses, mas eles não são pobres. Pobreza não é uma questão de se ter uma pequena quantidade de bens, nem é simplesmente uma relação entre meios e fins. A pobreza é, acima de tudo, uma relação entre pessoas. Ela é um estatuto social. Enquanto tal, a pobreza é uma invenção da civilização. Ela emergiu com a civilização..."
Miss Desmatamento

A conclusão mais importante que a antropóloga da Folha retira das pesquisas realizadas com a abreugrafia é de que os "aborígenes", já modernizados, não precisam de terras que, aliás, segundo a pesquisa, é uma preocupação secundária dos índios, evidentemente com uma margem de erro de três pontos para mais ou para menos.
- "Reduzir o índio à terra é o mesmo que continuar a querer e imaginá-lo nu" - escreve a antropóloga da Folha, que não quer ver o índio nu em seu território. "Falar em terra é tirar o foco da realidade e justificar a inoperância do poder público. O índio hoje reclama da falta de assistência médica, de remédio, de escola, de meios e instrumentos para tirar o sustento de suas terras. Mais chão não dá a ele a dignidade que lhe é subtraída pela falta de estrutura sanitária, de capacitação técnica e até mesmo de investimentos para o cultivo".
A autora sustenta que não é de terra, mas de fossas sépticas e de privadas que o índio precisa. Demarcar terras indígenas, para ela, significa aumentar os conflitos na área, porque "ocorre aí uma expropriação criminosa de terras produtivas, e o fazendeiro, desesperado, tem que abandonar a propriedade com uma mão na frente e outra atrás".
Ficamos, então, assim combinados: os índios não precisam de terra, quem precisa são os fazendeiros, os pecuaristas e o agronegócio. Dados apresentados pela jornalista Verenilde Pereira mostram que na área Guarani Kaiowá existem 20 milhões de cabeças de gado que dispõem de 3 a 5 hectares por cabeça, enquanto cada índio não chega a ocupar um hectare.
Um discípulo menor de Kátia Abreu, Luiz Felipe Pondé, também articulista da Folha, tem feito enorme esforço para acompanhar a produção intelectual de sua mestra, usando as técnicas da abreugrafia, sem sucesso, como mostra artigo por ele publicado com o título Guarani Kaiowá de boutique (9/11), onde tenta debochar da solidariedade recente aos Kaiowá que explodiu nas redes sociais.

Kátia Regina de Abreu, 50 anos, empresária, pecuarista e senadora pelo Tocantins (ex-DEM,atual PSD), não é apenas antropóloga da Folha. É também psicóloga formada pela PUC de Goiás, reunindo dois perfis que deslumbrariam Nelson Rodrigues.

Bartolomé De las Casas, reconhecido defensor dos índios no século XVI, contesta o discurso do cronista do rei, Gonzalo Fernandez de Oviedo, questionando sua objetividade pelo lugar que ele ocupa no sistema econômico colonial:
- “Se na capa do livro de Oviedo estivesse escrito que seu autor era conquistador, explorador e matador de índios e ainda inimigo cruel deles, pouco crédito e autoridade sua história teria entre os cristãos inteligentes e sensíveis”.
O que é que nós podemos escrever na capa do livro "Os Argonautas do Gurupi" de Kátia Abreu, eleita pelo movimento ambientalista como Miss Desmatamento? Que crédito e autoridade tem ela para emitir juízos sobre os índios? O que diriam os cristão inteligentes e sensíveis contemporâneos? Respostas em cartas à redação, com a margem de erro de 3% para mais ou para menos.

 
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